23.9.10

Delectare, docere et movere


A coordenadora pedagógica da minha escola, uma magrinha simpática que sempre me parece sincera, nos disse que haviam sido abertas vagas para visitação monitorada de professores a um importante evento artístico da cidade. Eu, tentado pela oportunidade de passear ao invés de dar aula, me inscrevi e fui sorteado.

Hoje fui à Bienal de Arte Moderna e me lembrei de um crítico do começo do século passado que dizia que o Modernismo irritava as pessoas porque elas não tinham capacidade de entender a arte. Naquela época eu me irritava, mas não exatamente por não entender a arte moderna mas por não conseguir apreciá-la. Achava tudo uma chatice e me sentia inferior.

Qual não foi minha surpresa hoje quando, mais maduro, percebi que eu não ia tão mal assim. Os monitores, cuja profissão era entender as obras, se davam tão bem quanto eu. E apesar de tudo isso, continuava irritado; continuava com aquela mesma sensação que tinha no colegial de que alguém estava me pregando uma peça. Como se um colega fosse sair de detrás do emaranhado de arame, sem poder mais conter as gargalhadas ao ouvir nossa interpretação a respeito do teco que faltava na bandeira pendurada ao teto do prédio.

Um dos problemas com esse gênero de arte plástica - se é que essa é a classificação correta - é que quase todas podiam ser superadas totalmente por algum outro tipo de expressão. A pintura, a fotografia, a arquitetura e a poesia podiam derrotar quase todas as obras tanto no delectare, quanto no docere e no movere latinos.

Outro problema é a indispensabilidade de contexto, parece que o que faz essa arte ser arte é o pedestal. Um quadro é quadro porque é quadro, o mesmo vale para uma música, um prédio, um filme, um livro, uma fotografia, uma coreografia ou uma história em quadrinhos... Mas o que faz as cadeiras com pernas pela metade serem arte é o degrau que separa elas do chão. 

Talvez meu comportamento conservador merecesse uma análise psicanalítica. Mas, ué, talvez os entusiastas é que precisassem.

Mas, para tentar me defender uma última vez, tenho algumas ocorrências divertidas. Quando no árido de jornais colados e urubus enjaulados, um grupo de músicos saiu marchando de dentro de uma estrutura, tocando o belo e velho bolero de Ravel, todos pararam para voltar sua atenção; causo 2: a obra que mais interessou a todos era uma série de desenhos de Gil Vicente, em que o artista aparecia apontando pistolas e outras armas contra conhecidas figuras públicas. Mas a ocorrência mais emblemática foi mesmo a última. Ao descer as rampas para deixar o prédio da bienal, o monitor conversava com um dos professores do nosso grupo sobre uma escavação que estava sendo feita bem na frente do edifício: "Todo mundo achou que era uma peça de arte, eu achei que o artista estava procurando ouro no subsolo, mas na verdade, foi uma obra que os bombeiros pediram."

4 comentários:

  1. Aprendiz de Harold Bloom (2). Brincadeira! Vc percebeu o que aconteceu? As obras surtiram o efeito desejado. Elas te fizeram questionar e analisar a situação dialeticamente. É isso o que uma boa obra de arte faz... se a obra te parece ruim, mas te faz pensar sobre os dois lados ela atingiu seu objetivo! Eu vi essa séries de quadros do Gil Vicente na TV. Parecia legal demais! E, claro, a obra foi a mais interessante às pessoas pois provavelmente era a mais representativa (tecnicamente falando) de todas.

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  2. ele pensou nao pq as obras o fizeram pensar. qualquer coisa q estivesse ali o faria pensar.

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  3. rs' estranho como me lembrei de minhas aulas de filosofia. E mais estranho ainda é saber q não deveria ter comentado e msm assim te-lo feito. anyway...

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  4. HAHAHA muito bom.. sensacional.. achei que só eu tinha aversão e repugnância em relação ao modernismo.
    =D lekau

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