14.12.12

A meus primeiros formandos



Formandos do Ensino Fundamental de 2012, quando eu comecei a dar aula, confesso que eu estava com medo, e uma das primeiras turmas para quem eu dei aula foi a de vocês, então talvez alguns, mesmo que na época vocês fossem muito novos, ainda lembrem disso. Minha esperança quando eu virei professor era a de ser para vocês pelo menos a mesma coisa que os meus professores foram para mim: de todos os meus mestres de quinta a oitava série, eu lembro da cara de uns três, então se vocês pelo menos lembrarem da minha cara e das minhas piadas ruins daqui a alguns anos, já vai ser muito mais lembrança do que eu tenho. Depois que eu descobri isso, tanto as aulas como esse discurso, tudo ficou mais fácil. Claro que eu não estou acusando os meus professores da época, a culpa é da minha péssima memória mesmo, além do mais, como a J. K. Rowling diz em um discurso, não a respeito de professores, mas de pais, culpar os mais velhos tem data de expiração.

Esse discurso, inclusive, foi um dos poucos que eu ouvi e que fez alguma diferença para mim e um dos poucos de que eu lembro até hoje. Antes de qualquer coisa, a Rowling, para quem não sabe, é a autora da série Harry Potter, e para mim, ela fez muito mais do que me dar um apelido que usaram para me zoar a vida inteira. Eu cresci junto com o Harry, eu e o personagem do livro tínhamos idades muito próximas conforme os livros saíam, e foram os livros da Rowling que me ensinaram a gostar de ler de verdade. Hoje, ela me ajudou de novo porque eu me baseei muito no discurso que ela deu para os alunos que estavam se formando em Harvard para fazer o meu.

Uma das coisas que a Rowling diz é que ela queria  ensinar para os formandos o que ela gostaria de saber quando ela era nova. No meu caso, eu ainda não tenho experiência o suficiente para dar esse tipo de conselho para vocês, mas como o Newton subindo nos ombros de gigantes, eu posso trazer um pouco do conhecimento de pessoas muito mais sábias que eu para que talvez elas possam ajudar vocês tanto quanto me ajudaram.

Bem, então, o que eu queria que tivessem me dito quando eu tinha a idade de vocês? Mais uma vez, eu repito o conselho da Rowling: para ela, a coisa mais importante que ela aprendeu tem a ver com o fracasso, como lidar com o fracasso e o que o fracasso pode te ensinar.

Às vezes, o fracasso é daquele tipo que não é culpa de vocês, é culpa de tudo que está em volta de vocês. Alguns fracassos nas suas vidas são causados pelo governo, pela família, pelo estado do país e mesmo pela escola. Outro dia estava assistindo uma palestra de um educador na Internet que falava como a escola reprimia certos talentos. Ele diz que entende o valor da matemática e do português, por exemplo, mas por que não dar o mesmo valor a coisas como a dança? Ele conta o caso de uma menina que não conseguia parar quieta em lugar nenhum, em casa ou na escola; quando foi levada ao psicólogo, ele fez algumas perguntas a ela e chamou os pais para conversar. Ele apontou para a menina rodopiando perto do rádio e falou “sua filha não é doente, é uma dançarina”. A menina era Gillian Lynne, famosa diretora e coreógrafa da Ópera Nacional Inglesa e da Ópera Real. Acho que casos como esses existem em todos os lugares. O mundo não é perfeito e é tarefa de todos nós tentarmos torná-lo um lugar melhor para que essas coisas não aconteçam, para que todo mundo tenha mais ou menos a mesma chance de desenvolver seus talentos.

Coisas parecidas já aconteceram com muitos de vocês. Vocês nasceram no Brasil, fora do centro das atenções do mundo. Vocês não nasceram nos bairros mais ricos da cidade. Mas vocês não podem fazer nada a respeito disso, a respeito do já passou, voltando ao discurso da Rowling: “culpar os pais por te colocarem na direção errada tem prazo de validade, quando você é adulto o suficiente para pegar o volante, a responsabilidade é sua.”

E então chegamos num tipo muito mais interessante de fracasso, aqueles que são culpa de vocês. E também é agora que posso explicar porque escolhi um tema tão negativo para uma fala de formatura.  Primeiro, porque eu acho que uma das coisas mais importantes que a gente tem que aprender é admitir o quanto de culpa que cada um tem no próprio fracasso, eu acho impressionante quantas pessoas dizem que “ninguém é perfeito” ou “ninguém está certo o tempo todo” e mesmo assim não conseguem admitir que estão erradas nunca. Vamos fazer um exercício, tentem pensar em quando foi a última vez que você pensou “é verdade, eu estou errado.” E não vale dar respostas como “o tempo todo”, estou falando de algum exemplo de verdade, quando foi a última vez que você brigou e depois percebeu que a culpa era sua, que era você quem estava errado naquela briga? Eu acho que encontrar as próprias falhas é o primeiro passo para a sabedoria. C. S. Lewis, o meu escritor favorito diz o seguinte: “de todas as pessoas esquisitas no seu trabalho ou na sua casa, só tem uma que você pode realmente melhorar.” Se você quer uma vida melhor do que a que você tem hoje, o primeiro passo é perceber o que está ruim. Claro que é muito mais fácil falar do que fazer, mas a gente precisa tentar, o Lewis fala que se você “procurar consolo, você não terá nem a verdade nem o consolo – só bajulação e esperança vazia e, no fim, desespero.”. Então, não tenham medo de admitir os seus erros e eu digo por experiência própria, no fim, é libertador. E quando você encontra um grupo de pessoas libertas do “eu estou sempre certo” é mais gostoso ainda, as risadas são mais relaxadas porque ninguém acha que você vai ficar ofendido por bobagens, você amadurece e o amor  pelo outro fica muito mais forte quando você percebe que está tão cheio de defeitos quanto todo mundo.

Outro lado do fracasso que precisa ser enfrentado é o medo que ele gera. Vocês estão numa fase da vida em que um monte de possibilidades aparece para vocês, e a maioria delas oferece um risco. Acho que, nesse ponto, a coisa mais importante que eu posso dizer para vocês sobre o risco do fracasso é que vocês não precisam ter tanto medo dele. Primeiro porque todos nós fazemos besteira, a Rowling diz que “é impossível viver sem falhar em alguma coisa, a não ser que você viva com tanto cuidado que você não vai ter vivido nada – e nesse caso, você falha por tabela.”

Claro que eu também não acho que vocês deviam pular para os outros extremos como viver com preguiça: “eu não tenho medo do fracasso, por isso eu não faço nada” ou então “eu não tenho medo do fracasso por isso que faço tudo sem pensar.” Não é à toa que os seus pais e os seus professores se preocupam se vocês vão conseguir um bom emprego ou se vocês vão conseguir entrar numa faculdade, o mundo raramente perdoa sonhos que a gente persegue sem um pouco de prudência.

Mas por que temos tanto medo do fracasso? Acho que é só porque a gente quer muito a felicidade. Felicidade, aliás, é uma das palavras que eu acho que mais engana as pessoas. Digo isso porque quando você pergunta para muitas pessoas o que é felicidade ou quando elas vão ser felizes, a resposta que você ouve é normalmente alguma coisa como “vou ser feliz quando tiver X ou Y” ou então “felicidade é ter isso ou ser aquilo.” Quer dizer, as pessoas ficam felizes quando elas conseguem o que elas querem. A Rowling diz o seguinte: “Se me dessem um Vira-Tempo, eu diria para a minha eu de 15 anos que felicidade pessoal é saber que a vida não é como uma lista de compras ou conquistas. Suas qualificações, seu currículo, não são a sua vida, apesar de que você vai conhecer muitas pessoas da minha idade e mais velhas que confundem as duas coisas.”.

Bem, como eu disse, a palavra felicidade é um pouco estranha para mim porque me faz lembrar de toda essa pressão para ser rico e bem-sucedido, então, eu tenho que terminar a minha fala desejando uma coisa diferente para vocês. Uma palavra que, eu admito, é até bem parecida com felicidade, é alegria, e é isso que eu prefiro desejar para vocês, não uma vida cheia só de dinheiro, casas, carros e festas (apesar de que não há nada de errado nessas coisas). Jesus dá um conselho que eu acho que serve muito bem para todo mundo, mesmo os que não são cristãos, ele diz: “Os olhos são a lamparina do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz. Mas se os seus olhos forem maus, todo o seu corpo será cheio de escuridão.”. E é isso que eu desejo para vocês, que vocês consigam ver a luz das coisas, ver a beleza do almoço em família todo fim de semana, que vocês percebam a poesia na risada dos seus amigos, que você reconheça a alegria que sua namorada sopra em você em cada beijo. Então, acho que o melhor que eu poderia desejar é que vocês estejam com as melhores pessoas e acima de tudo, sejam as melhores pessoas que puderem. Espero que eu tenha conseguido ensinar alguma coisa de útil para vocês. Eu desejo a todos vocês vidas muito boas.

4 comentários:

  1. Leandro, gostei muito do seu discurso. Me sinto privilegiada em poder trabalhar com pessoas maravilhosas como vocês.
    Beijos
    Denise Lima

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  2. Parabéns profº Leandro
    Muito bom seu discurso...bj

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  3. lindo e emocionante. pena que aos poucos, o dia a dia escolar, está me fazendo perder esta paixão por ensinar. =/ what to do?

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  4. Leandro, seu discurso é simplesmente esplêndido! E o é não somente pela beleza e pela sabedoria, mas, principalmente, pela simplicidade e humildade.

    Você é o professor do futuro, aquele que alcança e atinge o sentimento e o entendimento dos jovens com sua visão clara e sua linguagem límpida.

    Sinto-me "alegre" e realizada em passar o "cetro" para suas mãos: nossas crianças não poderiam estar em mãos melhores.

    Que a lamparina dos seus olhos ilumine-o por inteiro e permita-lhe iluminar a todos que encontrar pelos seus caminhos. Que Deus o proteja!

    Um enorme abraço,

    Daize

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